rodrik219_ Lintao ZhangGetty Images_biden xi Lintao Zhang/Getty Images

A rivalidade entre China e Estados Unidos exige novas regras

CAMBRIDGE –  É comum pensar nas tensões EUA-China como o inevitável resultado das gritantes diferenças entre os dois países. Os Estados Unidos têm uma economia de mercado totalmente capitalista,  enquanto o governo chinês mantém mão forte no leme econômico. Apesar de todos os seus defeitos, os EUA são uma democracia, enquanto a China é um regime de partido único que não tolera desafios políticos. Embora os EUA continuem a ser o país mais poderoso do mundo, o crescente poder econômico e geopolítico da China ameaça a hegemonia americana.

Mas embora tudo isso seja verdade, muitos conflitos entre  EUA e China resultam dos seus crescentes pontos em comum. O relativo declínio americano fez com que os EUA se sentissem mais inseguros, provocando políticas econômicas e de segurança nacional que lembram a própria estratégia de décadas da China de dar prioridade à força econômica nacional e à renovação em detrimento dos requisitos de uma economia global aberta e “liberal”. Paradoxalmente, à medida que os EUA emulam estratégias que serviram muito bem à China, multiplicam-se as tensões na relação bilateral.

Embora a China tenha-se voltado para os mercados depois de 1978 e tenha de forma significativa liberalizado sua economia, as políticas do Partido Comunista da China refletiram mais do que a procura do crescimento económico. Faziam parte de um projeto nacional de rejuvenescimento destinado a restabelecer a China como uma grande potência. Consequentemente, a China jogou o jogo da globalização segundo as próprias regras, protegendo e promovendo suas próprias indústrias enquanto alavancava os mercados externos. O Estado nunca foi tímido em intervir e subsidiar o que considerava indústrias estratégicas (seja do ponto de vista comercial ou de segurança nacional).

Certa vez ouvi um legislador chinês descrever essa estratégia como “abrir a janela, mas colocar uma tela”. A economia chinesa receberia ar fresco – tecnologias estrangeiras, acesso aos mercados globais, fatores de produção críticos – mas impediria a entrada de elementos prejudiciais, tais como fluxos de capital desestabilizadores de curto prazo, concorrência excessiva que poderia prejudicar as suas nascentes capacidades industriais, ou restrições à atividade do governo de conduzir sua política industrial.

O fenomenal crescimento econômico da China foi, em última análise, um enorme benefício para a economia mundial, uma vez que criou um grande mercado para empresas e investidores de outros países. Além disso, suas políticas industriais verdes deram uma substancial contribuição na transição global para uma economia de baixo carbono, ao baixarem os preços da energia solar e eólica.

Naturalmente, outros países se queixaram das práticas intervencionistas e mercantilistas da China. Mais consequentemente, a rápida expansão das exportações chinesas – o chamado “ choque da China ” – causou prejuízos econômicos e sociais nas comunidades industriais duramente atingidas e nas regiões atrasadas das economias ocidentais, criando terreno fértil para a eventual ascensão de populistas autoritários de direita, como Donald Trump. No entanto, enquanto as políticas das economias avançadas foram impulsionadas por uma lógica consumista e fundamentalista de mercado, esses efeitos não causaram enorme tensão nas relações com a China.

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Pelo contrário, muitas elites intelectuais e políticas pensavam que as abordagens ocidentais e chinesas à economia pudessem ser complementares e apoiavam-se mutuamente. Os historiadores Niall Ferguson e Moritz Schularick cunharam o termo “ Chinamerica ” para descrever a relação aparentemente simbiótica em que a China subsidia suas indústrias e o Ocidente consome alegremente os produtos baratos que a China lhe envia. Enquanto essa noção reinou no Ocidente, trabalhadores e comunidades que perderam, pouca ajuda ou simpatia receberam; disseram-lhes para se reciclarem e se mudarem para áreas com melhores oportunidades.

Mas a situação era insustentável e os problemas colocados pelo desaparecimento de bons empregos, pelas crescentes disparidades regionais e pelo aumento da dependência externa em indústrias estrategicamente importantes tornaram-se grandes demais para serem ignorados. Os dirigentes políticos dos EUA começaram a prestar mais atenção ao lado da produção da economia, primeiro sob Trump e mais sistematicamente sob Joe Biden, cuja administração abraçou um diferenciado conjunto de prioridades que favorece a classe média, a resiliência da cadeia de abastecimento e o investimento verde.

A nova estratégia gira em torno de políticas industriais que não são tão diferentes daquelas que a China pratica há muito tempo. Novas tecnologias e atividades de produção avançada são subsidiadas, assim como tecnologias renováveis ​​e indústrias limpas. Fornecedores locais e o conteúdo nacional são incentivados, enquanto produtores estrangeiros são discriminados. Os investimentos de empresas chinesas nos EUA são fortemente escrutinados. Ao abrigo da doutrina “ quintal pequeno, cerca alta ”, os EUA procuram restringir o acesso chinês a tecnologias consideradas críticas para a segurança nacional.

Se essas políticas conseguirem produzir uma sociedade americana mais próspera, coesa e segura, o resto do mundo também se beneficiará – assim como as políticas industriais chinesas beneficiaram os parceiros comerciais ao expandirem o mercado chinês e reduzirem o preço das energias renováveis. A implicação, então, é que essas novas políticas e prioridades não necessitam de um aprofundamento do conflito entre os EUA e a China, porém exigem um novo conjunto de regras para administrar o relacionamento.

Um bom primeiro passo é cada um dos lados deixar de lado a hipocrisia e reconhecer a semelhança das suas abordagens. Os EUA continuam a criticar a China por supostamente prosseguir com políticas mercantilistas e protecionistas e violar as normas de uma ordem internacional “liberal”, enquanto os legisladores chineses acusam os EUA de virarem as costas à globalização e de travarem uma guerra econômica contra a China. Nenhum dos lados parece estar ciente da ironia: a China colocou uma tela na sua janela aberta; os EUA estão colocando uma cerca alta em volta de um pequeno quintal.

Um segundo e importante passo é procurar maior transparência e melhor comunicação sobre os objetivos políticos. Em uma economia global interdependente, é inevitável que muitas políticas que visam o bem-estar econômico nacional e as prioridades sociais e ambientais nacionais exerçam  alguns efeitos secundários indesejáveis ​​sobre outras. Quando os países adotam políticas industriais para corrigir falhas importantes do mercado, os seus parceiros comerciais precisam ser permissivos e compreensivos. Essas medidas devem ser distinguidas daquelas que não contribuem explicitamente para empobrecer o vizinho (o que significa que geram benefícios em casa precisamente porque prejudicam os outros).

Terceiro, é importante garantir que as restritivas políticas de segurança nacional sejam bem orientadas. Os EUA caracterizam os seus controles às exportações como medidas  “cuidadosamente adaptadas” a “uma estreita fatia” de tecnologias avançadas que levantam “simples” preocupações de segurança nacional. Essas limitações autoproclamadas são louváveis, mas há dúvidas sobre se a política real sobre semicondutores se enquadra nessa descrição e sobre como poderão ser as medidas adicionais. Além disso, os EUA tendem a definir sua segurança nacional em termos excessivamente expansivos.

Os EUA continuarão colocando suas preocupações econômicas, sociais, ambientais e de segurança nacional em primeiro lugar e a China não abandonará o seu modelo econômico orientado pelo Estado. A cooperação não estará na ordem do dia. Mas poderá tornar-se um pouco mais fácil se ambos os países reconhecerem que suas políticas não são nem demasiado diferentes nem necessariamente prejudiciais a ambos os lados.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil.

https://prosyn.org/7a9cj5rpt