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A próxima fase de nossa jornada inflacionária

SINGAPURA –  O que constitui uma jornada? Existe o destino, é claro; mas há também o caminho que se segue para se chegar lá e o tempo que se leva para concluí-lo. Esse poderá ser um quadro útil para pensar sobre a futura trajetória da inflação e das taxas de juros – uma jornada com implicações importantes para os custos do capital, avaliações e múltiplos, sustentabilidade da dívida e muito mais.

O primeiro passo é entender como chegamos no ponto onde estamos hoje. Após o levantamento das restrições da era da pandemia, a demanda aumentou em toda a economia global, sustentada em parte por saudáveis balanços ​​das famílias e das empresas, que refletiram o generoso apoio fiscal prestado pelos governos durante a pandemia. Mas a expansão fiscal também fez com que  os níveis da dívida soberana subissem acentuadamente – um desenvolvimento que trará consequências no futuro.

Quando aumentou a demanda após a pandemia, o lado da oferta não conseguiu acompanha-la, razão pela qual a pressão inflacionária se intensificou. Algumas das perturbações do lado da oferta – os chamados bloqueios transitórios – foram um legado de fechamentos e desequilíbrios induzidos pela pandemia mas que foram rapidamente atenuados. Mas outras revelaram-se mais profundas, seculares e estruturais, e o excesso de demanda permaneceu teimosamente persistente. Por fim, os principais bancos centrais intervieram, aumentando rapidamente as taxas de juros para restringir a demanda agregada. E os seus esforços parecem ter funcionado: as taxas de inflação começaram a cair.

O que irá acontecer a seguir? Os especialistas em gestão de ativos – algo que não sou – me dizem que, paradoxalmente, o caminho preciso das transições tende a ser mais difícil de se prever do que o destino. Esse é um exemplo de uma característica geral da análise econômica: os equilíbrios em que os mercados se situam podem muitas vezes ser caracterizados com mais precisão do que as transições entre eles.

Então, vamos dar uma olhada no nosso destino. A inflação iria ficar no seu objetivo de 2%, ou perto dele, com o qual os bancos centrais se comprometeram e que os mercados esperam, e a taxa real de juros estaria em um nível que mantém a oferta e a procura razoavelmente equilibradas (eliminando-se, assim, a causa profunda da pressão inflacionária). Com base nas recentes tendências da inflação, esse equilíbrio parece inteiramente alcançável sem uma acentuada ou mesmo moderada contração econômica. A questão é qual será essa real taxa de juros.

A inflação nos Estados Unidos é atualmente de 3,4% e a Taxa de juros do Federal Reserve dos EUA está entre  5.25 e 5.5%. Isso coloca a taxa real de juros em cerca de 2%. Até agora, esse nível não parece ter tido qualquer efeito negativo importante no crescimento do PIB ou no emprego.

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Embora o Fed tenha decidido, em sua primeira reunião de 2024, manter inalterada a sua taxa de juros de referência, os mercados têm apostado num regresso à meta de inflação de 2% até ao  final do ano. Se o Fed reduzir a taxa de desconto em 1,5% este ano, para a faixa dos 4%, a taxa real de juros iria se manter em cerca de 2%. Esta trajetória para as taxas de juros – seis reduções de 25 pontos base em 2024 – é consistente com as expectativas do mercado e um pouco mais agressiva do que as próprias projeções   do Fed, de acordo com o seu último gráfico de pontos.

As expectativas em termos de taxas de juros – nominais e reais – para além de 2024 parecem mais problemáticas. O gráfico de pontos antecipa novos e significativos cortes nas taxas em 2025 e 2026. Se as previsões se confirmarem, a taxa real de juros diminuirá e irá se fixar em (ou perto de) 0,5%. Isso parece muito improvável, dadas as persistentes restrições estruturais do lado da oferta (incluindo escassez de mão-de-obra, envelhecimento da população e declínio da produtividade) e custos crescentes impulsionados por tensões geopolíticas, choques e rápida e dispendiosa diversificação das redes globais de abastecimento.

Neste cenário, os preços dos ativos aumentariam, tal como aconteceu na década após a crise financeira global de 2008, e o crédito se expandiria, impulsionando a demanda. Mas sem um aumento na oferta de trabalho ou na produtividade, a oferta provavelmente ficaria defasada e a pressão inflacionista ressurgiria, reduzindo ainda mais a taxa real de juros.

Certamente, um aumento na produtividade é possível, especialmente tendo em conta os avanços na inteligência artificial generativa. Mas quando? Mesmo aqueles de nós que antecipam um  aumento no crescimento da produtividade impulsionado pela IA não esperam que isso aconteça rapidamente; parece muito mais provável na última parte da década do que nos próximos 2-3 anos.

Mas isso poderia mudar. Se o aumento da produtividade impulsionado pela IA chegar rapidamente, aumentaria dramaticamente a elasticidade do lado da oferta da economia. Isto exerceria um impacto deflacionário, tal como aconteceu com o crescimento das economias emergentes – que acrescentou uma enorme capacidade produtiva à economia global – nas últimas 3 a 4 décadas.

Nesse momento, porém, parece muito pouco provável que nossa jornada envolva um regresso ao padrão pré pandemia de baixas taxas de juros nominais e reais, juntamente com uma inflação igual ou inferior ao objetivo de 2%. A demanda foi reprimida durante anos após a crise financeira global, devido a um prolongado período de recuperação dos balanços, especialmente no setor das famílias. Mas o apoio fiscal durante a pandemia evitou danos semelhantes, motivo pelo qual a procura pode ser facilmente descontrolada hoje. Uma vez que as mudanças estruturais diminuíram a capacidade do lado da oferta para responder às pressões do lado da demanda, serão necessárias taxas de juros reais mais elevadas para manter a demanda – e, portanto, as forças inflacionárias – sob controle. Se as taxas reais caírem para menos de 0,75%, o nosso caminho provavelmente conduzirá de volta a uma inflação elevada.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

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