ndiaye1_Cherkaoui SylvainAnadolu Agency via Getty Images_senegal protests Cherkaoui Sylvain/Anadolu Agency via Getty Images

Medo e descontentamento no Senegal

NOVA IORQUE – Manifestações de grande dimensão varrem o Senegal desde o início de Março, um reflexo da cólera generalizada perante a corrupção, o desemprego elevado e o que muitos consideram ser uma acusação de violação com motivações políticas contra o líder da oposição, Ousmane Sonko (que nega a acusação). O governo do presidente Macky Sall reprimiu de forma violenta as manifestações, as maiores no país da África Ocidental desde há uma década. Pelo menos oito pessoas morreram, e foram impostas restrições à liberdade de expressão.

O governo de Sall deveria recuar e reavaliar a sua abordagem. Em vez de ameaçar as arduamente conseguidas conquistas democráticas do país, deveria desanuviar as tensões e promover a recuperação económica.

A longa marcha do Senegal no sentido da democracia começou há sete décadas, com as reivindicações de independência do domínio colonial francês. O país atingiu esse objectivo após um acordo de transferência de poderes com a França, em 1960, e o poeta Léopold Sédar Senghor tornou-se o seu primeiro presidente.

A luta pela democracia reacendeu-se em 1988, quando os partidos da oposição alegaram fraudes nas eleições presidenciais vencidas pelo presidente em exercício, Abdou Diouf. Como resposta, o governo de Diouf impôs um duradouro estado de emergência, que incluiu um pesado recolher obrigatório. Mas quando Diouf perdeu as eleições presidenciais de 2000, transferiu pacificamente o poder ao seu adversário, Abdoulaye Wade, numa postura que solidificou a reputação do Senegal enquanto bastião regional de estabilidade política.

Em 2012, o “Movimento 23 de Junho”, um grupo da sociedade civil liderado por jovens e artistas, combateu pela manutenção da constituição do Senegal e para evitar que Wade conseguisse o que teria sido um altamente controverso terceiro mandato como presidente (uma provisão constitucional que limita os presidentes a dois mandatos consecutivos entrou em vigor em 2001, um ano depois de Wade ter chegado à presidência). Neste caso, Wade perdeu na segunda volta das eleições contra Sall, que foi reeleito em 2019.

Mas apesar de o Senegal manter hoje as características formais de uma democracia, o país precisa de mais do que uma fachada institucional. Com efeito, o Senegal está aquém do que seria uma verdadeira democracia em vários aspectos preocupantes nos últimos anos.

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Para começar, o governo de Sall foi acusado de peculato e corrupção no sector do gás e dos recursos naturais. O governo também tentou afastar vários opositores políticos através de acusações selectivas de corrupção e assédio sexual, como a alegada acusação de violação contra Sonko que ajudou a desencadear as recentes manifestações por todo o país. E os esforços severos das autoridades para contrariar estas manifestações (com fontes credíveis a informar que um rapaz de 17 anos terá morrido, baleado durante as manifestações) abalaram ainda mais as suas credenciais democráticas.

Para impedir que a democracia senegalesa seja ainda mais comprometida, o governo tem de desarmar uma situação volátil. Para que o governo recupere a sua reputação, tem de fazer justiça às vítimas e às suas famílias, e garantir ao público que as forças de segurança não voltará a utilizar esse tipo de violência contra manifestantes pacíficos. Também têm de ser investigadas as interrupções do serviço de internet, de órgãos de comunicação e de aplicações de serviços de mensagens que foram noticiadas de forma independente durante as manifestações de 4 de Março. No Senegal, as questões legais nunca poderão ser resolvidas pela força e pela violência, e as divergências políticas nunca poderão ser geridas com o silenciamento de adversários ou com restrições à liberdade de expressão.

Tal como em 2012, os jovens senegaleses estão preparados para se manifestarem pacificamente pela protecção da constituição do país e pela legitimidade das próximas eleições presidenciais, previstas para 2024. Repetidamente, os governos senegaleses tentaram distorcer a constituição para obter ganhos políticos, transformando o estado no que Daron Acemoglu e James Robinson apelidam de “Leviatã de Papel”, que consegue ser simultaneamente opressivo e ineficaz. A menos que o governo de Sall altere as suas acções, poderemos assistir a uma repetição dos protestos que percorreram o país há uma década.

De qualquer forma, o governo actual tem demasiado que fazer para se preocupar já com as eleições de 2024. Em especial, deveria continuar a implementar o seu Plano de Acções Prioritárias, um conjunto de reformas ambiciosas, onde se incluem uma política industrial, zonas económicas especiais, parques industriais e instalações mineiras regionais, que poderiam fazer do Senegal um modelo para a industrialização em África. O governo também deveria esforçar-se por garantir o alívio relativamente à COVID-19 aplicando os seus modestos recursos financeiros na aquisição de vacinas.

Os decisores podem promover uma forte recuperação no pós-pandemia, através de alterações estruturais que visem o estabelecimento de uma economia mais dinâmica e inclusiva. Mas isso só acontecerá se voltarem a considerar a industrialização como prioritária e se investirem no capital humano do Senegal.

As instituições internacionais apoiam veementemente os planos de desenvolvimento do governo. A sua implementação bem-sucedida quase certamente garantiria uma outra transferência pacífica de poderes em 2024 para um novo presidente legitimamente eleito. Um resultado assim reforçaria consideravelmente tanto a estabilidade política no Senegal como as suas perspectivas económicas.

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